sexta-feira, 31 de agosto de 2007

"Os Estéreo Tipos" (1) (IV)


“O Traçadinhas” (IV)

Naquela Quarta-feira, ao fim da tarde, Carlos fez o balanço desses primeiros dias. Tinha conhecido o centro da cidade e o Pólo Universitário. Tinha conhecido alguns dos outros caloiros, colegas de curso, onde se tinha começado já a esboçar um círculo de conhecimentos e amizades. Fora às primeiras aulas estranhando as diferenças em relação ao Liceu e tendo mesmo ficado assustado quando um dos professores aparecera com duas malas de viagem cheias de livros, dizendo ser a bibliografia de consulta obrigatória. A questão é que havia livros em alemão, russo e mesmo israelita que, para ele, era o mesmo que chinês. A sorte é que tinha a seu lado um colega que já estava a repetir a cadeira e que o sossegou dizendo que ninguém lia aquilo, que era mais fogo de vista que outra coisa.

É claro que também já tinha sido “praxado”. Primeiro, numa aula em que estranhou ser o professor tão novo e se ter fartado de dizer coisas sem pés nem cabeça, a ponto de julgar que estava ou na sala errada ou noutro mundo. Só à saída percebeu a esparrela... E depois porque todos os dias apareciam trupes de veteranos que os mandavam fazer coisas insólitas mas lhe iam mostrando quer a cidade quer a Universidade e os seus costumes.

Naquele dia jantou cedo, quase foi apenas um lanche, e após longo matutar, decidiu vestir a capa e batina pela primeira vez. Cheirava obviamente a novo e estava bem vincadinha e sem quaisquer nódoas ou rugas. Ataviou-se como pode e soube e saiu de casa sentindo-se orgulhoso rumo à Associação Académica.
Lá encontrou a sala da Tuna onde entrou decidido. Já lá estava uma dúzia mais de caloiros que ele já conhecia de vista, mas nenhum trajado como ele. Reparou como os tunos que lá estavam ficaram a olhar para ele com cara de espanto.
- Olha um apressadinho! – exclamou um deles.
- Ó caloiro, se estivesses noutras Academias nem sabes no que te tinhas metido... – disse outro.
- Pois, pois – riu-se um terceiro – não te safavas de umas rapadelas e de sanção de unhas. A tua sorte é que aqui as coisas funcionam de maneira diferente.
- Então eu ainda não posso vestir o traje? – perguntou intimidado e corando ao sentir-se o centro das atenções.
- Bem, aqui até podes. O “código” deixa, depois da matrícula. Mas se fosse noutros sítios... – retorquiu o primeiro.
- Bem, sentem-se lá todos que nós vamos explicar como tudo isto funciona.

Na meia hora seguinte, o chefe, um dos que parecia mais ponderado e respeitado pelos restantes falou-lhes sobre o que era aquela tuna, os princípios que respeitavam, as actividades que tinham, a música que tocavam, as cerimónias em que costumavam estar presentes, a colaboração com a Universidade e as vantagens de fazer parte da tuna, tendo ele ficado espantado ao saber que os elementos da mesma tinham direito a uma época de exames especial.
Depois um outro, o mesmo que o tinha abordado no primeiro dia, falou-lhes sobre a praxe da tuna, a hierarquia interna, o processo de admissão, as responsabilidades individuais e colectivas e, em geral, sobre as regras de relacionamento que tinham entre todos enquanto membros da tuna.

2 comentários:

Marta disse...

Tens um blog simplesmente perfeito, um dos melhores que já vi até hoje! Vais ser presença obrigatória nas minhas rondas bloguistas.
Gostei sobretudo dos pormenores "encobertos" da tradição e regras académicas, apenas visíveis aos olhos de quem conhece alguma coisa do assunto (não sei muito, mas sei alguma coisa!).
Beijinhos e continua!

J.Pierre Silva disse...

Continuo a seguir atentamente!
Bem desenhado!