segunda-feira, 3 de setembro de 2007
"Os Estéreo Tipos" (1) (V)
“O Traçadinhas” (V)
Quando acabaram as exposições dos veteranos, durante as quais ele estranhou a falta de atenção de alguns dos novos que o acompanhavam, que pareciam não se interessar pelas regras que estavam a ser expostas, que para ele constituíam novidade e um mundo novo que desconhecia, mandaram-nos ir junto de um acordeonista que os mandou cantar notas musicais das mais graves às mais agudas. Segundo percebeu estavam a tentar catalogar cada um deles quanto ao timbre. Pelo que pareceu, a maioria seriam barítonos, alguns, poucos, baixos e ainda menos, tenores. Uns cantavam melhor que outros. Alguns mesmo, pouco ou nada cantavam. Mas todos foram tratados da mesma maneira, tendo sido dito a cada um para não se esquecer dos naipes de vozes a que ficariam a pertencer.
- Agora precisamos de saber que instrumentos vocês tocam, se é que tocam algum! – Disse o presidente.
Começaram por uma das pontas da fila de cadeiras onde estavam sentados. A maioria dizia tocar um pouco de viola, um disse só perceber de percussões, outro de acordeão, outros dois bandolim e cavaquinho. Dois disseram mesmo não saber tocar qualquer instrumento.
Quando chegou a sua vez, disse, sem pensar:
- Eu toco clarinete.
- OUTRA VEZ? – Disse tonitruante atrás de si a voz que ele já conhecia do primeiro dia. – Não te disse já que isso para aqui não serve?
Carlos ficou meio acabrunhado e sem compreender a embirração com o clarinete. Afinal, na tuna lá da terra não era assim. Cada um tocava o que sabia ou lá aprendia. Era verdade que o mestre costumava refilar baixinho sempre que alguém novo se apresentava e só tocava sopros, mas esses lá iam acabando por ficar. E ele também ouvia a conversa entre os velhotes da tuna preocupados por cada vez haver menos gente interessada na tuna e os novos preferirem ir só aos bailes e discotecas ou então optarem por tocar em conjuntos. Mas nunca ninguém tinha ficado de fora pelo que tocava. Recordava-se até de velhas fotografias, algumas com dezenas de anos em que se viam os tunos com instrumentos que agora já nem usavam. E as pautas do mestre até tinham os arranjos para os metais. Em tempos tinham tido inclusive um trompete, embora esse só tocasse em algumas marchas e nos bailes de arraial em que não havia amplificação. Mas daí a darem a entender que ali naquela tuna não se tocavam desses instrumentos ainda ia uma distância muito grande.
- Sabes, pá. Nós já temos conhecimento que tu tocas lá na tuna da tua terra. Mas aqui as coisas são um pouco diferentes. – Dirigiu-se-lhe com compreensão o Presidente. – As tunas académicas são um pouco diferentes não só no repertório, que não comporta metais mas também nos princípios e razões da utilização de cada instrumento. E mesmo os sopros só com flautas de Bisel. É que aqui gostamos de respeitar aquilo que alguns chamam a tradição das tunas académicas. Se fores aos dicionários vais ver que diz que elas são agrupamentos de estudantes que tocam essencial e tradicionalmente cordofones.
E acrescentou que além destes, por questões rítmicas, também era costume ter pandeiretas, tendo-lhe apontado um exemplar pousado em cima de uma mesa, esse, que era diferente dos pandeiros que ele conhecia quer das Bandas quer de alguns ranchos, apesar de umas serem com aro em metal e as outras em madeira. Mas nenhuma delas tinha pele. Para isso haviam os bombos e os adufes em algumas regiões.
- De palheta, - acrescentou o Presidente – só mesmo o acordeão que começou a ser usado quando mais tarde também chegou aos ranchos folclóricos. E chegou porque era mesmo preciso, embora tenha sido difícil. Não só era muito caro para o povo comum como haviam poucos que o aprendessem a tocar. Mas como os arraiais eram cada vez maiores e era precisa projecção de som, lá os aceitaram. O mesmo aconteceu nas tunas universitárias. Agora os sopros é que não – reafirmou – Se pensares bem, como a estrutura musical das músicas da tuna está melodicamente assente nos arranjos de bandolins e bandolas, ter trompetes, clarinetes ou trombones iria esconder os trabalhos de cordas. Já para não falar na dificuldade que toda a gente teria de se ouvir uns aos outros. E a perturbação que isso iria causar nas vozes, já pensaste?
Carlos percebeu onde ele queria chegar. Aquilo parecia ser lógico. E, aparentemente, ele sabia do que estava a falar. Além do mais na tuna lá da terra, ultimamente, tocavam dez, quinze no máximo e quando todos estavam presentes. Ali, na sala onde agora se encontrava estariam mais de trinta ou quarenta, segundo agora se apercebia. E assentiu com a cabeça.
- Se quiserem posso tentar as violas ou os bandolins.
Levando uma palmada nas costas que não soube de onde vinha, alguém disse:
- Assim é que se fala, ó caloiro!
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