quarta-feira, 29 de agosto de 2007
"Os Estéreo Tipos" (1) (II)
“O Traçadinhas” (II)
Quando acabou o Liceu lá na Vila, e porque o rapaz tinha mostrado uns dedos de testa, os pais e irmãos sempre o incentivaram a continuar os estudos. Afinal, não existia nenhum doutor na família e desde que ele não fosse nenhum estroina, talvez fosse possível, mesmo com o sacrifício de todos, pagar os custos com o canudo.
E o moço, que até achava estreitas as vistas que tinha do vale e dos montes de socalcos, lá foi a Vila Real candidatar-se à Universidade. Com alguma sorte e sabendo os sacrifícios que a família teria de suportar, mais feliz ficou quando soube ter entrado num Politécnico, numa Engenharia qualquer.
A música sempre tinha feito parte da sua vida. Tinha entrado cedo para a Banda pois desde os quatro anos começara a soprar no clarinete do pai que lhe tinha mostrado os rudimentos. Desde os nove que tinha ido para a Escola da Banda, desvendando os segredos das pautas que via lá por casa. E aos dezassete anos já não tinham conta as Romarias, Procissões, Desfiles e Concertos de coreto e de Teatro em que tinha estado. Até já tinha aparecido na televisão num daqueles programas da manhã por ocasião das Festas da Vila. E que bem se sentia quando vestia a farda e o boné para ir tocar as Marchas no S. João.
Mas agora que ia para a Universidade o que ele queria era vestir a batina que via a alguns universitários, com aquela capa que eles viravam para a frente e estava coberta de coloridos emblemas que sempre foram um mistério para ele. Não ousava pedi-la aos pais. Já bem bastava o que iam gastar com ele em livros, comida e estadia. Foi logo oferecer-se ao irmão par a trabalhar no Verão, período em que este andava sempre a queixar-se da falta de mãos extra. E lá passou Julho e Agosto com os tubos numa mão, o malho e o alicate na outra. Mas no final, maravilha. O dinheiro ganho chegava para o fato todo, uns sapatos pretos, uma gravata da mesma cor, duas camisas e ainda sobrou algum para festejar a despedida com os amigos de infância.
Recordava com carinho as lágrimas da mãe ao fazer-lhe a trouxa, a viagem na carrinha do pai, em que houve mais silêncio que outra coisa qualquer, e o forte abraço do pai quando, depois de encontrado um quartinho onde ia ficar, o instou a trabalhar duro e aproveitar a oportunidade que nenhum dos irmãos tivera. E os conselhos dos pais quanto ao cuidado a ter com as más companhias, as cervejas e as raparigas.
E lembrava-se também do friozinho na espinha quando eles abalaram e o deixaram sozinho numa cidade que não conhecia a mais de duzentos quilómetros de casa, e maior, muito maior até do que Vila Real, que ele até conhecia muito bem.
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