domingo, 19 de agosto de 2007

Amores de Estudante (V)

- Então que tal? – Perguntou ela.
- Para primeira impressão, é muito giro. Também se canta, pelos vistos. É caro?
- Nem muito nem pouco. O normal. Mas costumam passar-se aqui uns bons serões. O dono também é tuno e guitarrista, sabias? Mas hoje não deve cá estar, logo vemos.

Ele continuou na cerveja, ela preferiu um Porto. Depois do primeiro gole, ambos partilharam um cigarro. Falavam de banalidades quando apareceram dois instrumentistas que se foram colocar no meio da sala que apesar do seu tecto alto se mantinha com ar intimista. Já só existia o bruxulear da luz das velas e uma, pouca, claridade vinda de onde devia ser a copa. O silêncio aumentou às primeiras notas da guitarra, gemida, e suportada pelo batimento firme, quase cavalheiresco, da viola. Aproximou-se uma mulher nova, vinte e poucos anos, que desfiou dois ou três fados dos antigos. No último deles, ela segredou-lhe ser do género que não apreciava por ter uma daquelas letras de “faca na liga” que já não se usa. No final, a fadista retirou-se sob os aplausos, especialmente entusiásticos dos estrangeiros que ele verificou constituírem a maior parte da assistência.
Ao sair, cruzou-se numas escadas com outra figura que ele reconheceu imediatamente. A puxar para o forte, razoavelmente alto, moreno e de cabelo ondulado acamado por gel, ali estava o seu conhecido “Supermário” que ele conhecia quase desde o início da sua vida nas tunas e que respeitava profundamente por reconhecer ser uma figura ímpar, além de que sempre lhe invejara secretamente o seu timbre, aparentemente tão comum, mas que reconhecia ser único e de dificílima imitação. Como esquecer as gloriosas versões que ele cantava na Tuist como a “Amélia dos Olhos Doces” ou a “Estranha Forma de Vida”?
O Mário atacou alguns dos fados do costume e ele rejubilou ao aperceber-se que os guitarristas o estavam a acompanhar no modo “lundum”. Quando se iniciaram os acordes da “Lágrima”, o Mário reconheceu-os, piscando um olho. Ela quis comentar-lhe algo ao ouvido, mas, como ambos tinham tido o mesmo reflexo, isso só provocou uma leve cabeçada entre os dois, ficando-se a intenção numa mera gargalhada abafada. Mas ela, para o sossegar, ajeitou-se uma vez mais na cadeira, aninhando-se mais contra o corpo dele e sobre a sua mão pousando a dela e aí a deixando esquecida, o que não só o surpreendeu mais uma vez mesmo lhe sendo agradável como lhe fez aumentar a pulsação a ponto de julgar que o barulho dos seus batimentos cardíacos estava a ser ouvido em toda a sala.
Quando a sessão terminou, o Mário passou pela mesa deles para os cumprimentar mas não se demorou dizendo que ainda estavam à espera dele noutro sítio.

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