quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Amores de Estudante (III)

Tirando isso, nada mais de especial tinha acontecido. Ele tinha apenas reparado que ela era bem torneada apesar de só a ter visto em ocasiões em que ela trajava com todo rigor, logo ele, que achava que o traje feminino devia ser ideia de alguém com grande maldade por fazer parecer todas as raparigas com um saco de batatas mal atado, a que nem sequer qualquer tipo de penteado em especial ajudava.
Ela ainda o tinha convidado para ele aparecer em S. Pedro de Moel onde costumava passar uns dias de férias com os amigos. No entanto, um arraial de Verão de última hora tinha-o impedido de aparecer por lá, além de que ele sempre pensou que era um convite de cortesia, amizade e mera circunstância.

- Olha lá, disse. Que estás a pensar fazer o resto da noite? Vais para a discoteca?
- Não pensei em nada de especial. É como tu sabes: “Carpe Diem”. Apesar dos velhos gostarem pouco que a gente se separe quando isto é a doer, como vai ser amanhã. Mas porquê? Tinhas alguma sugestão?
- Como vens cá poucas vezes e para barulho já me basta o resto do ano, estava a pensar em ir-te mostrar uns sítios que não deves conhecer.
-E porque não? Só tenho de estar para o almoço amanhã ou, no máximo, depois disso, para o “Peddy-paper”…
- Estava a pensar levar-te a Alfama, a um barzinho do tipo que tu gostas. Calmo, com música ao vivo, uns fadunchos. Aliás, hoje até acho que está lá o Mário a cantar. E mais algum que tu também deves conhecer…
- Boa. Já não vejo esse tipo há séculos. Além do mais também estou com pouca paciência para “Discos”. Quem vai? Levas a Tita contigo?
- Nops. Ela está à espera do namorado que hoje tinha um jantar de família. Estava mesmo a pensar em irmos só os dois. Além do mais até pode ser difícil arranjar mesa, logo se verá. Mas se quiseres trazer alguém… depois voltamos a vir ter com o pessoal.
Ele notou alguma hesitação na voz dela.
- Sabes que o meu bolinhas só dá para quatro.
- Não. Claro que não. Então vamos só os dois.
Surpreendido, ele tentou uma saída airosa e recriminou-se intimamente uma vez mais pela sua costumeira falta de tacto que tão mau resultado costumava dar.
- E tu achas que eu conseguia desviar alguém para ir ouvir fados? E ainda mais agora que anda tudo a tentar emparelhar? – disse, soltando uma gargalhada forçada, - só eu é que aprecio essas coisas mesmo nestas ocasiões. O que os outros querem é farra e prego a fundo. Queres ir já?
- É melhor. Aquilo não fecha tarde. Acaba a tua cerveja enquanto vou avisar a minha prima.
E desapareceu no meio da amálgama de capas negras, violas e bandolins. Bom, reparando melhor, também havia trajes azuis-escuros e cor de vinho. E um tipo até tinha um saxofone às costas. Esta gente nunca mais aprende, pensou com os seus botões, torcendo o nariz.
Lúcia estava de volta.
- Vamos? Está tudo resolvido.
- Como queiras. Já disse ao “Botas” que me encontro com eles mais tarde. Levamos uma “bejeca” para o caminho?
- Eu não posso. Sabes que vou conduzir.
Saíram do pavilhão, ela à frente, procurando orientar-se para localizar o velho “Honda”, velho companheiro de viagem que tantas coisa havia já partilhado com ela. Ele olhou-a por trás de alto a baixo, pela primeira vez de uma maneira diferente. Cabelos castanho claro impecavelmente cortados pouco abaixo dos ombros e a capa às costas onde sobressaíam apenas os emblemas da cidade, da faculdade e da associação académica.

Ele estava surpreendido pelo convite para aquele programa alternativo. Sem que nada para ele o fizesse prever, iria ser a primeira vez que estavam sozinhos.
Ela sentou-se ao volante e abriu-lhe a porta do pendura. Enquanto ele procurava acomodar a capa e a viola no acanhado banco de trás do automóvel reparou que ela se ajeitava para conduzir, fazendo subir a saia travada até meio da coxa que não pode deixar de fixar. Ela surpreendeu-o nesse momento e ele sentiu-se corar, vendo que a ela acontecia exactamente o mesmo. Nenhum deles fez qualquer comentário e ele procurou disfarçar afundando-se no assento e procurando sintonizar a rádio. Ela arrancou sem dizer qualquer outra palavra mas a ele pareceu-lhe ter feito sem querer uma espécie de registo fotográfico do rosto dela. Olhos castanhos amendoados bem enquadrados por sobrancelhas cuidadas e longas pestanas, nariz perfeito e um pouco arrebitado, boca carnuda e bem definida cujos cantos virados para cima pareciam sorrir permanentemente.

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