sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Amores de Estudante (IV)

Seguiram calados mais uns minutos enquanto ela cruzava cautelosamente algumas das grandes Avenidas de Lisboa, compenetrada na condução.
Ele apreciou-lhe discretamente o perfil, mais ou menos iluminado à medida que passavam pela iluminação laranja que traça as artérias das cidades grandes. O nariz um pouco arrebitado, o queixo com uma covinha a que ele achava tanta graça e era sempre um dos motivos dos seus piropos e o cabelo liso pelos ombros que lhe tapava as orelhas. Era bela. E como é que seria possível que nunca de tal se tenha dado conta do que agora admirava? E se... Mas afastou a ideia que pela primeira vez lhe passou pela cabeça. Afinal, ela sempre tinha sido uma boa amiga e nunca... Até lhe tinha apresentado umas colegas numa outra ocasião, bem sabendo que uma delas havia passado então a noite consigo. E nem sequer quis saber nada depois disso sobre o assunto. Pelo menos, não perguntou.

Estavam agora perto de Santa Apolónia. Ele conhecia a zona por já ter ido várias vezes a Lisboa de comboio. E isso até poderia estar a acabar. O pai tinha-lhe prometido um carro se a época de Setembro corresse bem. Os exames já tinham passado, só faltava saírem as notas e até parecia que tinha valido a penas perder metade das férias a estudar e não ter ido para o Sul de Espanha com o resto da Tuna onde eles se tinham safado bem, segundo diziam.
Ela virou por ruas mais apertadas e estacionou junto a um pequeno largo sem qualquer dificuldade apesar de ser Sexta-feira.
- Olha, ali é o Museu do Fado, sabias?
Ele fez-lhe prometer que o havia de levar lá durante o dia porque queria conhecer o espaço. Ela assentiu e arrastou-o por ruelas inclinadas que rasgavam Alfama e que ele só conhecia dos postais ilustrados, com tascas mal iluminadas, porta sim, porta não, de onde saíam cantares roucos e lamentosos.
- Apesar da aparência, disse ela rompendo o silêncio em que iam lado a lado, isto é tudo menos fado vadio. Disso, parece que agora já há pouco. É mais um negócio para turista ver. Lá em baixo, no Largo do Chafariz de Dentro onde parámos, estas casas têm uma espécie de angariadores que ganham à comissão para conduzir os incautos a estes lugares. É mesmo para inglês ver. Mas de outra maneira, não se aguentavam. Bom, chegámos. É aqui.

Num largo e naquilo que parecia um solar antigo, entraram numa sala forrada a azulejos portugueses antigos, não muito grande e que aparentava ter sido uma velha capela. Uma dúzia de mesas, se tanto, e ao fundo um balcão que ele reparou estar coberto de pequenas estátuas representando Santo António, de todas as formas e materiais. Ele sempre estranhou essa especial devoção quando sabia que o padroeiro da cidade até era S. Vicente, em cujas escadas da respectiva Igreja em tempos tinha estado num espectáculo que boas recordações havia deixado. A sala estava quase cheia mas afortunadamente uma mesa pequena, num dos cantos, à direita, estava vazia e lhes foi indicada por um dos empregados.

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