
(VIII)
Os três dias de caminho correram como num sonho brumoso. Entre os almocreves tudo fez por passar despercebido, viajando e comendo calado, dormindo no canto mais esconso onde ninguém desse por ele.
Umas léguas depois de Penacova, e após longa e custosa subida, lá conseguiu lobrigar o seu destino transitório de Lorvão. Ficou impressionado pela grandiosidade do Mosteiro, pertença da Ordem de Cister desde os tempos do seu avô. À porta esperava um cortejo de freiras encabeçadas pela madre superiora e que era nem mais nem menos que Branca de Portugal, filha de el-rei, mas que já nem respondia por tal nome há vários anos, desde que se havia despedido da vida mundana.
Depois de ajudar a entregar a mercadoria ali destinada, composta sobretudo por lã, mel e alguns alqueires de milho, levaram-no à presença da Abadessa que o olhou de alto a baixo, apreciando a sua compleição e tez tisnada pelo sol, por trás de uns olhos muito azuis.
- Sei quem és e ao que vens. Prepara-te para uma vida diferente de trabalho e sacrifício. Tens de respeitar as matinas, fazer o que te mandarem sem qualquer réplica. Dentro de muros todos estão acima de ti. Nunca o esqueças. Claro que ficarás na ala dos criados e servos. Que respeitarás todos e em especial as damas e monjas a quem só poderás dirigir palavra se antes elas a ti se dirigirem. E ficas a saber que respondes directamente ao Albano, o responsável por toda a serventia. Agora vai...
O seu ar triste e desanimado parecia escurecer ainda mais aquele fim da tarde. Só muito depois e já na sua enxerga pareceu lembrar-se que depois daquele discurso que mais soou a sermão, lhe parecia ter ouvido uns risinhos abafados vindos das noviças do fim da ala que a Abadessa comandava.